Pular para o conteúdo principal

Lembranças de meu pai

Beinha

No bordado de Ednilza Morais de Amorim estava escrito: Rau Ama Beinha. Uma pequena frase que ativou boas lembranças.

Tínhamos uma ligação além de tudo, nem sei como explicar. Papai me levava para todo canto, não sabia sair sem mim; e nas peraltices, sempre lembrava de me incluir.
À noite, eu ficava esperando na calçada da rua do Sertão, por volta das 7 horas da noite, ele vinha da S. José. Corria assim uns cem metros, me jogava no pescoço dele, e vinha pendurado. Era uma festa! Fazia isso todas as noites.

Mamãe ralhava:
- Meu filho, tu vai matar teu pai, deixa ele quieto, que Beinha está cansado. E ainda jantava no colo dele. Papai ria, não reclamava de nada.

Um dia, lembro muito bem, ele estava no banheiro fazendo a barba, quando fui lhe chamar para jantar, dizendo:
- Velho, vem jantar!

Foi um escândalo, mamãe quase me bate:
- Velho não! Seu pai ainda é jovem, respeite seu pai.

E ele taciturno, com um sorriso pelo canto da boca, disse apenas:
- Ele é meu amigo, deixa ele me chamar do jeito que quiser.

Nunca mais usei daquelas palavras, emudeci. Foi o gesto mais carinhoso que já vi, uma amizade pura que nunca mais encontrei.

Hoje olhando para o passado, relendo essas memórias, encho os olhos d'água. Meu pai, meu amigo, meu irmão que Deus levou tão cedo.

Mas o Senhor, em sua infinita bondade, não poderia me deixar só nesse mundo, e me deu um outro amigo... tão bom, tão carinhoso, tão alegre. E os papéis agora se invertem: Ele o filho, eu o pai.

Não sou nem metade do que foi o meu amado Beinha, quem o conheceu sabe o que estou dizendo. A figura jovial que encantava as moças, o amigo sincero e verdadeiro.

Não conto as portas que já se abriram, pelo simples fato de falar para alguém: sou filho de Beinha! Ainda não encontrei quem falasse mal dele; nem vou encontrar.

A saudade dói, não tem explicação. Na última noite em que estivemos juntos, ele me tomou pelo canto, me confidenciou um pedido, pedido esse que não pude negar. Jurei cumprir, assim como ele o fez a seu pai também. Ainda estou aqui papai, e sempre estarei.

Quando amanheceu, sai para espairecer, e quando voltei, segurei-lhe a vela num último suspiro...

O céu se encheu de amor, e a terra ficou mais vazia.

Rau Ferreira

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dom Manuel Palmeira da Rocha

Dom Palmeira. Foto: Esperança de Ouro Dom Manuel Palmeira da Rocha foi o padre que mais tempo permaneceu em nossa paróquia (29 anos). Um homem dinâmico e inquieto, preocupado com as questões sociais. Como grande empreendedor que era, sua administração não se resumiu as questões meramente paroquianas, excedendo em muito as suas tarefas espirituais para atender os mais pobres de nossa terra. Dono de uma personalidade forte e marcante, comenta-se que era uma pessoa bastante fechada. Nesta foto ao lado, uma rara oportunidade de vê-lo sorrindo. “Fiz ciente a paróquia que vim a serviço da obediência” (Padre Palmeira, Livro Tombo I, p. 130), enfatizou ele em seu discurso de posse. Nascido aos 02 de março de 1919, filho de Luiz José da Rocha e Ana Palmeira da Rocha, o padre Manuel Palmeira da Rocha assumiu a Paróquia em 25 de fevereiro de 1951, em substituição ao Monsenhor João Honório de Melo, e permaneceu até julho de 1980. A sua administração paroquial foi marcada por uma intensa at

A menor capela do mundo fica em Esperança/PB

A Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa " lugar onde primeiro se avista o sol ". O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Diz a história que no final do século passado houve um grande surto de cólera causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther (Niná) Rodrigues, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira (1925/29), teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal. Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, reconheceu a graça e concedeu as bênçãos ao monumento que foi inaugurado pelo Padre José Borges em 1º de janeiro de 1925. A pequena capela está erigida no bairro da Bele

Escola Irineu Jóffily (Inauguração solene)

Foto inaugural do Grupo Escolar "Irineu Jóffily" Esperança ganhou, no ano de 1932, o Grupo Escolar “Irineu Jóffily”. O educandário, construído em linhas coloniais, tinha seis salões, gabinete dentário, diretoria, pavilhão e campo para atividades físicas. A inauguração solene aconteceu em 12 de junho daquele ano, com a presença de diversos professores, do Cel. Elísio Sobreira, representando o interventor federal; Professor José de Melo, diretor do ensino primário estadual; Severino Patrício, inspetor sanitário do Estado; João Baptista Leite, inspetor técnico da 1ª zona e prefeito Theotônio Costa. Com a direção de Luiz Alexandrino da Silva, contava com o seguinte corpo docente: Maria Emília Cristo da Silva; Lydia Fernandes; Amália da Veiga Pessoa Soares; Rachel Cunha, Hilda Cerqueira Rocha e Dulce Paiva de Vasconcelos, que “tem dado provas incontestes de seu amor ao ensino e cumprimento de seus deveres profissionais”. A ata inaugural registrou ainda a presença do M

A Pedra do Caboclo Bravo

Há quatro quilômetros do município de Algodão de Jandaira, na extrema da cidade de Esperança, encontra-se uma formação rochosa conhecida como “ Pedra ou Furna do Caboclo ” que guarda resquícios de uma civilização extinta. A afloração de laminas de arenito chega a medir 80 metros. E n o seu alto encontra-se uma gruta em formato retangular que tem sido objeto de pesquisas por anos a fio. Para se chegar ao lugar é preciso escalar um espigão de serra de difícil acesso, caminhar pelas escarpas da pedra quase a prumo até o limiar da entrada. A gruta mede aproximadamente 12 metros de largura por quatro de altura e abaixo do seu nível há um segundo pavimento onde se vê um vasto salão forrado por um areal de pequenos grãos claros. A história narra que alguns índios foram acuados por capitães do mato para o local onde haveriam sucumbido de fome e sede. A s várias camadas de areia fina separada por capas mais grossas cobriam ossadas humanas, revelando que ali fora um antigo cemitério dos pr

Capelinha N. S. do Perpétuo Socorro

Capelinha (2012) Um dos lugares mais belos e importantes do nosso município é a “Capelinha” dedicada a Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro. Este obelisco fica sob um imenso lagedo de pedras, localizado no bairro “Beleza dos Campos”, cuja entrada se dá pela Rua Barão do Rio Branco. A pequena capela está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa “ lugar onde primeiro se avista o sol ”. O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Consta que na década de 20 houve um grande surto de cólera, causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira, teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal.  Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, re