Era um dia daqueles de sábado, final de mês e feira
ruim. Pedro acabara de fechar a banca de apostas, com o velho e inseparável “jogo
caipira”. Naquele dia os matutos não vieram, a seca imperava e o desjejum da
semana seria feijão com farinha, mistura que é bom ficara para depois.
Com aquela parafernália nas mãos, se preparava o
mandrião para descer a manichula onde iria tomar umas bicadas com seus
comparsas, os famosos “tapeias” como paga por aquele dia malfadado.
Nisso se aproxima um pequeno, desses moleques que
pegam feira com suas carroças de madeira para complementar a renda de casa:
- Frete seu moço?
- Quero não, disse Pedro.
- Mas o senhor tá com tanta coisa, posso lhe ajudar
e o senhor me ajuda também.
Pedro não perdia aquela mania de sagaz, que de tão
arraigada a sua personalidade, já não reconhecia a inocência intocável:
- Então tá bom – disse o Pichaco – você carrega as
minhas coisas, pelo que tenho na mão!
De fato, apesar daquele dia não ter sido dos bons, Pedro ainda havia apurado alguns trocados e, naquele jeito espertalhão de ser, fechara a mão mostrando ao garoto o punho cerrado propondo: "Leve minhas coisas pelo que tenha na mão!".
De fato, apesar daquele dia não ter sido dos bons, Pedro ainda havia apurado alguns trocados e, naquele jeito espertalhão de ser, fechara a mão mostrando ao garoto o punho cerrado propondo: "Leve minhas coisas pelo que tenha na mão!".
Trato feito, seguiu o menino com a armação e tampo
de madeira, o pano com as figuras tão conhecidas do “Caipira”, um copo ou dois
para mexer o bozó; e uns enfeites que chamavam a atenção do público: um couro
de cobra, um dente de ouro (ouro nada, feito de capsula de bala), uns ossos que
se dizia dos “caboclos brabos” lá do Cabeço... e seguiu o molecote, todo
satisfeito.
Já na primeira barraca da rua do Avelós parou Pedro
pra tomar uma caninha, cumprimentou os presentes, desceu goela abaixo a
aguardente e foi mais adiante.
Passou por “Três motor”, chamando-a de “velha doida”,
enquanto gargalhava às pampas de si mesmo, pois todos temos um pouco. E chegando
num quartinho, abriu a tramela e começou a guardar as peças. O moço ajudava,
carregando para dentro o seu frete. Findo aquele esforço, disse Pedro ao
garoto:
- Obrigado, meu jovem – que lhe olhava atônico quase
sem acreditar.
- Quedê o meu?
- O que?
- O meu frete, disse o menino.
- Ah, quase que esquecia. Tome lá.
E arrancou Pedro um punhado de cabelo que tinha na
sua mão:
- Pelo que tenho na mão!
O frentista ficou abobalhado com tudo aquilo, não imaginando
o golpe perpetrado pela troca de palavras: o pelo que ele tinha, eram os
cabelos que recobriam o dorso da mão.
Num de repente o menino se põe a chorar, tocando o
velho coração do malandro que muitas vezes distribuía dinheiro para a molecada,
passeando de carro pela rua central, só para ver o corre-corre da garotada
afoita por um cobre. Arrastou dois tostões do bolso e entregou ao menino,
dizendo-lhe: fique esperto, não deixe qualquer um lhe passar a perna!
O frentista lhe agradeceu e saiu a sorrir um sorriso
malandro de quem também aprendeu a viver na rua. Esqueceu o Pichaco que fora
criança também, e do velho adágio popular (quem não chora não mama).
Fora uma lição para dois. Nem todo mundo é tão
velho que não tenha nada a aprender; nem tão novo que não se possa ensinar. O certo
é que aquele choro abriu os olhos de Pedro para outro golpe na praça, mas essa
é uma outra estória...
Rau Ferreira
Comentários
Postar um comentário
Obrigado pelo seu comentário! A sua participação é muito importante para a construção de nossa história.