Em se tratando de história de cunho
macabro a exemplo de cemitério, velórios, caixões de defuntos e mortuárias, há
inúmeros episódios a serem narrados por pessoas que viveram presentemente essas
façanhas.
Vivi numa época em que na cidade ou
na zona rural muitos morriam e a família não podia comprar um ataúde. O esquife
era uma surrada rede pendurada num caibro roliço apoiada em ombros de
carregadores que se revezavam ao longo do trajeto fúnebre.
Mas, havia para esses casos uma
solução: No cemitério mantinha-se guardado um pequeno estoque de três ou quatro
caixões rústicos, de madeira pesada, que eram emprestados para as famílias
conduzirem os seus mortos. Chegando ao cemitério, à beira da cova, tiravam do
caixão o cadáver o qual vinha envolto num surrado lençol e desciam o corpo à
sepultura. Fatídico cenário!
Em meio à sequência desta descrição,
relato que na minha infância de menino pobre, depois de desistir como ajudante
de sapateiro, viví a experiência de trabalhar também como aprendiz de
fabricante de caixões de defuntos. A oficina, que pertencia ao senhor
Cassimiro, única casa mortuária de Esperança, localizava-se exatamente na área
aonde hoje é rua que dá acesso à Rua José Andrade.
Também fabricávamos molduras para
espelhos e postais. Eram operários do ofício os seus netos Zé de Cicinato e
Danda, mas havia um outro senhor do qual não me recordo o nome; completávamos a
equipe eu e outro ajudante aprendiz.
O seu Cassimiro, ficava a jogar dama
e gamão (jogava como ninguém), na calçada do seu estabelecimento com os seus
contemporâneos Teotônio Costa e Teotônio Rocha e outros como Genésio Nogueira.
Às vezes apareciam, também, Vicente Simão, Diogo Batista e o irmão de Santino
Damião (o Liga), para entrarem na jogatina.
O seu Cassimiro adentrava, vez por
outra, na oficina com o intuito de fiscalizar e orientar os operários do ofício
no acabamento e cobertura dos ataúdes, com tecidos de murins azul, roxo rosa ou
preto, ou mesmo em seda, cores mais comuns dos caixões.
Havia uma demanda maior para os de
anjos, setor aonde eu ajudava, que normalmente eram azuis e que muitas vezes,
quase que diariamente, assistíamos da calçada da oficina à passagem de um pai
de corpo esquálido e desconsolado carregando sobre a sua cabeça o pequeno
invólucro do seu anjinho sem vida rumo ao cemitério, sozinho ou acompanhado de
duas ou três pessoas. Triste realidade!
Era o auge da mortandade infantil da
época, afora os que eram enterrados à beira das estradas na zona rural como
pagãos, à distância e indiferença espúria da inexistência do aparato social.
P. S. de Dória
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