Pular para o conteúdo principal

Ouçam aquele sax! (por Carlos Almeida)

Diogo Batista: Grande seresteiro

- É ele, é ele, é ele!

- Ele quem, homem de Deus?

- É Zé Boneco. Escutem o som do saxofone!

- Tais delirando, Diogo. Zé Boneco escafedeu-se, tá lá no Rio...

Dia já amanhecendo e aquele "mói" de gente aguardara transporte para o regresso à Esperança. Dava para ver a barra da aurora brigando com a escuridão da madrugada. Era um domingo, a noite do sábado ficará para trás com o enfado da seresta e bebericagens. Não era fácil encontrar transpor àquele tempo, o jeito era esperar no breu do tempo. Fazia-se um silêncio melancólico, sem cantos nem encantos de ave alguma. Nem mesmo os galos se ouvia anunciando aquele amanhecer que se demorara por chegar, nos conta Vicente Simão, um dos presentes naquele episódio em terras de Campina Grande. Do nada se vê Diogo Batista, seresteiro de ouvidos mais que apurados, pedir silêncio como se maior silêncio fosse possível. Todos estranharam aquela atitude até que Diogo insiste e, de pronto é atendido, mesmo a contragosto de quem nada entendera. Silêncio pra quê?!

Zé Boneco, exímio saxofonista, havia se ausentado de Esperança fazia quase três décadas. Há muito não se tinha notícias suas. Sabia-se, era fato, que se fora para o Rio de Janeiro e que lá fizera carreira de músico, tocava nos mais requintados espaços das noites cariocas. Mas notícia mesmo de onde se instalara e como vivera, nenhuma. Cartas, telegramas, telefonemas não havia como sinal de vida. Até mesmo os parentes mais próximos desconheciam algo que se pudesse indicar paradeiro. Morar no Rio de Janeiro, à época, era como se se estivesse no Japão, outro lado do mundo. Pau-de-arara era transporte comum e levava dias intermináveis para se chegar àquele destino, à Guanabara então capital do país. Mas Zé Boneco morava lá, se sabia.

Então se fez ainda mais silêncio para contemplar os ouvidos de Diogo. Aquele seu gesto de mãos ao “pé-da-orelha” era gesto indicativo de algo estranho ocorrera nas cercanias dali. Diogo foi-se afastando do grupo, chegou ao meio da estrada que hoje marca o Ponto Cem Réis como limítrofe dos bairros do Alto Branco e Conceição. Caminhou, parou, escutou! Todos o acompanhavam com olhar de estranheza extrema até que Diogo despejou seu contentamento que soava como loucura aos demais: "É ele". Então seguiram o som. A três quadras dali estava o saxofone soprado com a arte de Zé Boneco.
Incrível, mas Diogo distinguiu aquele sopro três décadas após ouvi-lo na última serenata.

Carlos Almeida


Comentários

  1. Zé Boneco e o seu saxofone dolente! Muitas vezes o ouvimos tocando em bares diversos da cidade, em roda de amigos, os saudosos tangos e boleros! Boa recordação!

    ResponderExcluir
  2. Lindo ver essa homenagem ao meu avô, sou filho primogênito do filho de ze boneco (williams) seu Lula

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Obrigado pelo seu comentário! A sua participação é muito importante para a construção de nossa história.

Postagens mais visitadas deste blog

Afrescos da Igreja Matriz

J. Santos (http://joseraimundosantos.blogspot.com.br/) A Igreja Matriz de Esperança passou por diversas reformas. Há muito a aparência da antiga capela se apagou no tempo, restando apenas na memória de alguns poucos, e em fotos antigas do município, o templo de duas torres. Não raro encontramos textos que se referiam a essa construção como sendo “a melhor da freguesia” (Notas: Irineo Joffily, 1892), constituindo “um moderno e vasto templo” (A Parahyba, 1909), e considerada uma “bem construída igreja de N. S. do Bom Conselho” (Diccionario Chorográfico: Coriolano de Medeiros, 1950). Através do amigo Emmanuel Souza, do blog Retalhos Históricos de Campina Grande, ficamos sabendo que o pároco à época encomendara ao artista J. Santos, radicado em Campina, a pintura de alguns afrescos. Sobre essa gravura já havia me falado seu Pedro Sacristão, dizendo que, quando de uma das reformas da igreja, executada por Padre Alexandre Moreira, após remover o forro, e remover os resíduos, desco

A menor capela do mundo fica em Esperança/PB

A Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa " lugar onde primeiro se avista o sol ". O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Diz a história que no final do século passado houve um grande surto de cólera causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther (Niná) Rodrigues, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira (1925/29), teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal. Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, reconheceu a graça e concedeu as bênçãos ao monumento que foi inaugurado pelo Padre José Borges em 1º de janeiro de 1925. A pequena capela está erigida no bairro da Bele

Dom Manuel Palmeira da Rocha

Dom Palmeira. Foto: Esperança de Ouro Dom Manuel Palmeira da Rocha foi o padre que mais tempo permaneceu em nossa paróquia (29 anos). Um homem dinâmico e inquieto, preocupado com as questões sociais. Como grande empreendedor que era, sua administração não se resumiu as questões meramente paroquianas, excedendo em muito as suas tarefas espirituais para atender os mais pobres de nossa terra. Dono de uma personalidade forte e marcante, comenta-se que era uma pessoa bastante fechada. Nesta foto ao lado, uma rara oportunidade de vê-lo sorrindo. “Fiz ciente a paróquia que vim a serviço da obediência” (Padre Palmeira, Livro Tombo I, p. 130), enfatizou ele em seu discurso de posse. Nascido aos 02 de março de 1919, filho de Luiz José da Rocha e Ana Palmeira da Rocha, o padre Manuel Palmeira da Rocha assumiu a Paróquia em 25 de fevereiro de 1951, em substituição ao Monsenhor João Honório de Melo, e permaneceu até julho de 1980. A sua administração paroquial foi marcada por uma intensa at

Escola Irineu Jóffily (Inauguração solene)

Foto inaugural do Grupo Escolar "Irineu Jóffily" Esperança ganhou, no ano de 1932, o Grupo Escolar “Irineu Jóffily”. O educandário, construído em linhas coloniais, tinha seis salões, gabinete dentário, diretoria, pavilhão e campo para atividades físicas. A inauguração solene aconteceu em 12 de junho daquele ano, com a presença de diversos professores, do Cel. Elísio Sobreira, representando o interventor federal; Professor José de Melo, diretor do ensino primário estadual; Severino Patrício, inspetor sanitário do Estado; João Baptista Leite, inspetor técnico da 1ª zona e prefeito Theotônio Costa. Com a direção de Luiz Alexandrino da Silva, contava com o seguinte corpo docente: Maria Emília Cristo da Silva; Lydia Fernandes; Amália da Veiga Pessoa Soares; Rachel Cunha, Hilda Cerqueira Rocha e Dulce Paiva de Vasconcelos, que “tem dado provas incontestes de seu amor ao ensino e cumprimento de seus deveres profissionais”. A ata inaugural registrou ainda a presença do M

A Pedra do Caboclo Bravo

Há quatro quilômetros do município de Algodão de Jandaira, na extrema da cidade de Esperança, encontra-se uma formação rochosa conhecida como “ Pedra ou Furna do Caboclo ” que guarda resquícios de uma civilização extinta. A afloração de laminas de arenito chega a medir 80 metros. E n o seu alto encontra-se uma gruta em formato retangular que tem sido objeto de pesquisas por anos a fio. Para se chegar ao lugar é preciso escalar um espigão de serra de difícil acesso, caminhar pelas escarpas da pedra quase a prumo até o limiar da entrada. A gruta mede aproximadamente 12 metros de largura por quatro de altura e abaixo do seu nível há um segundo pavimento onde se vê um vasto salão forrado por um areal de pequenos grãos claros. A história narra que alguns índios foram acuados por capitães do mato para o local onde haveriam sucumbido de fome e sede. A s várias camadas de areia fina separada por capas mais grossas cobriam ossadas humanas, revelando que ali fora um antigo cemitério dos pr