(Um breve relato da sua
história).
Por:
psdedória
Na clausura abominável de um
“antro de alienados”, nada impossível, poderia ter sido confinado por quase
duas décadas, outro personagem ainda jovem, de uma trajetória estudantil
brilhante, de renome no meio literário e político, de uma retórica dominante e
de uma veia poética invejável, que não a da figura do nosso conterrâneo e poeta
maior, o Dr. Silvino Olavo. Mas, assim determinou a providência a sua infeliz
trajetória, e assim, se fez cumprir o seu destino.
Num deliberado gesto de jovem
inconformado, no ano de 1915, aos dezoito anos, saiu Silvino Olavo de casa
fugido, segundo relatos do autor JOÃO DE DEUS MAURÍCIO em seu livro “A VIDA
DRAMÁTICA DE SILVINO OLAVO”.
Acredita-se, por ter sido
impedido e renegado por sua mãe diante de um namoro seu com uma menina muito
bonita de nome Severina Lima, da família “Cambeba”, por quem tinha uma
verdadeira paixão; uma desilusão de seus sonhos de amores e anseios
sentimentais: “Minha menina, a que mais bem me quis”, como ele cantou em seu
Soneto “RETORNO” (seria ela, julga-se!), não era bem vinda pela sua genitora no
seio da família.
A Capital, João Pessoa, foi o seu
lugar de refúgio aonde procurou abrigo em casa de uma tia. Seu pai, informado e
sabedor do seu paradeiro logo ordenou a sua matrícula no colégio Pio X, onde
concluiu em início do ano de 1920 os estudos secundários. Era aclamado por
todos de sua turma em face de sua inteligência e destaque fluente de sua
oratória.
Nesse mesmo ano prestou o exame
vestibular para a Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, sendo aprovado e para
onde viajou logo em seguida no intuito de iniciar o seu tão sonhado curso, tornando-se
Bacharel em Ciências Jurídicas em finais do ano de 1924, época em que já havia
escrito o seu primeiro livro de Poesias: “CYSNES”.
Acabado o curso de Direito, então
com 27 anos, volta à Paraíba no início do ano de 1925.
Entre uma e outra paixão por
mocinhas da capital paraibana aonde chegou até ser noivo de uma bela jovem de
nome Tércia, conheceu e enamorou-se de outra bonita jovem,Maria Carmélia Veloso
Borges, filha de um senhor de engenho lá da cidade de Pilar-PB, com quem pouco
tempo depois, em novembro de 1929, contraiu matrimônio.
Nessa época, a sua saúde já era
comprometedora, mesmo assim resolveram os dois, com anuência da família, formalizarem
as já programadas solenidades.
Acometido de uma psicose com
intercalada divagação mental e fora de sua razão, Silvino Olavo pouco desfrutou
da sua “lua de mel” na sua plenitude com a sua esposa Cacá, como ele carinhosamente
a chamava, razão por que em plena noite de núpcias, num breve e inesperado
surto psicótico e com uma arma de fogo em punho tentou agredir a sua amada
entre quatro paredes, ameaçando-a de morte. Graças à intervenção do Dr. José
Américo de Almeida, então secretário de Estado e seu amigo, chamado às pressas
e, que num clima de calmaria simulou um motivo amigável pedindo-lhe a arma
emprestada, nada aconteceu. Estavam casados há pouco mais de um ano, Carmélia
engravidara, e, no mês de maio de 1931 nasceu a sua única filha que recebeu o
nome Mariza Borges da Costa, cujo semblante facial assemelhava-se à imagem do
Silvino. Atingindo a idade escolar, Mariza foi internada em um colégio na
cidade de Olinda-PE onde estudava e aonde veio a falecer aos 12 anos de idade vítima
de complicações cardíacas conforme atestado de óbito.
O resultado dos seus esforços
como Bacharel em Ciências Jurídicas diante do cenário político do governo do
então presidente Dr. João Pessoa para o qual fora convidado a participar como
seu “Oficial de Gabinete”, foi breve e constrangedor devido às suas constantes
atitudes estranhas e vexames praticados no meio político-social em que convivia.
Com crises contínuas de perda da
razão, vieram as seguidas internações em hospitais psiquiátricos. Primeiro, na
capital pernambucana, no Hospital de Doenças Nervosas e Mentais, de onde tempos
depois saiu para ser confinado em definitivo na Colônia Juliano Moreira em João
Pessoa, e aonde por 17 longos anos permaneceu, apesar dos lampejos,
esquizofrênico e enclausurado. Sua interdição por Carmélia, sua esposa, em maio
de 1934, foi necessária e inevitável, ainda quando no Hospital Psiquiátrico do
Recife.
Pelo exposto, percebe-se que a
criança não teve afinidade paterna, por outro lado, o Dr. Silvino já não tinha
mais domínio de sua razão para acalentar ou vivenciar a inocência de Mariza, a
sua filha amada.
Carmélia tinha apenas 28 anos!
Foi uma separação sem volta, dolorosa e frustrante para ela que permaneceu por
certo período na incerteza do seu retorno até que conheceu um senhor de nome
João Florentino da Silva com quem começou um relacionamento, conviveu
maritalmente e com quem teve dois filhos.
Carmélia faleceu ainda jovem, aos
trinta e oito anos de idade no início de maio de 1944, vítima de complicações
hepáticas ou “Coma Hepático”, segundo reza no atestado de óbito, agravado em
consequência de um pequeno acidente caseiro, indo o seu corpo de encontro ao
braço de uma cadeira que lhe atingiu a região do fígado.
Após o seu falecimento, a
interdição de Silvino foi transferida para o Dr. Sebastião Candido, seu irmão que
residia na capital até à época do seu retorno para Esperança em dezembro de
1952 quando, num gesto caridoso, foi resgatado do Hospício pelo seu cunhado
Valdemar Cavalcante, casado com dona Alice, sua irmã, para quem a interdição
foi repassada e com quem permaneceu até a data de 26 de outubro de1969, data do
seu falecimento.
Em Esperança-PB,não somente este
que vos relata, mas muitos outros companheiros tiveram, também, o privilégio de
conhecerem pessoalmente e bem de perto, o Dr. Silvino Olavo. Durante a sua
permanência na cidade de Esperança eram comuns os seus passeios matinais ou
mesmo às tardes no centro da cidade em bares e restaurantes mais sociais. As
suas paragens prediletas eram o bar do seu primo Antônio Cândido e o bar,
restaurante e sorveteria do seu “Dedé”.
A partir do final da década de
1950, em frequentes passeios ao sítio dos meus tios na localidade do “Riacho do
Boi”, obrigatoriamente passava de frente à fazenda “Bela Vista”, sentido
“Punaré”, e, às vezes quem por ali transitava ouvia à distância as suas
bravejantes frases desconexas e seus seguidos e horripilantes gritos, como se
inconscientemente estivesse suplicando socorro aos transeuntes anônimos que por
ali passavam, para alívio do seu sufocante e interminável sofrimento.
Naquele setor, sabíamos de
comentários de que em seus dias mais angustiantes e supostamente agressivos,
simulava gestos de aproximação às mulheres desavisadas que por aquele local
transitavam, as quais entendiam como ataques, e por este motivo senhora
nenhuma, sozinha, ousava por ali passar.
Nos seus frequentes passeios pela
cidade costumava trajar-se elegantemente, muitas vezes, de terno e gravata,
azul ou cinza, outras vezes, em traje Esporte, sobrepondo uma capa de cor bege,
chapéu de massa, uma bengala ou guarda-chuva, estilo “Sherlock Holmes”. Não
dispensava um maço de cigarros, pois era um fumante visivelmente habitual.
Certa feita, chegando acompanhado
de outro colega no Bar e Sorveteria do se Dedé, nos deparamos com ele sentado
sozinho em uma mesa como de costume. Havia três cadeiras vazias. Ali, também
nos sentamos. Tragava com certo prazer um cigarro preso aos seus dedos
compridos, magros e já manchados pela nicotina. Queríamos ouvi-lo falar a
respeito dos seus poemas. E, de súbito, comecei a declamar, olhando-o, a
primeira quadra de “O MEU PALHAÇO”: - Meu coração é um mísero acrobata/Um
palhaço sarcástico de arena/Gargalha sempre de feição serena/Contrafazendo a mágoa
que o maltrata... Terminando, perguntei-lhe: Doutor, o senhor sabe de quem é
este soneto? A resposta veio em seguida quando, torcendo o seu pescoço em
direção ao balcão da sorveteria onde se encontrava de pé o dono, perguntou: -
Dedé, o sanduiche ai inda é de queijo? – Em seguida abriu a boca à guisa de
fome, pegou da sua bengala, levantou-se e silenciosamente se retirou como se ali não houvesse deixado ninguém.
Outras vezes, víamos passar sentado no banco trazeiro do seu automóvel “Opala”
ou “Sinca Chambord”, não me recordo qual, conduzido pelo motorista da família em
seus passeios pela cidade; parecia observar a passagem sequencial das casas com
um olhar vago, fixo, como se estivesse vendo girar no horizonte da sua
imaginação dúbia um carrossel de remotas e perdidas ilusões. Quem sabe, talvez,
ali, estivesse no instante dos breves minutos dos seus
lampejos, voltando ao passado e se perguntando pelas tragédias acontecidas
durante o breve ciclo de sua malfadada existência. Ou, quiçá, declamando em
silêncio estrofes de poemas seus que serviram de presságios e que dizem
respeito ao seu âmago, ao seu “eu profundo”, à sua e somente sua dramática vida
pregressa, como:
“RONDA LÚGUBRE” (CYSNES)
Na minha via-crúcis de amargura,
Entre os ciprestes lúgubres,
silentes,
No silêncio das horas mais
algentes,
Venho, às vezes, beijar-te a
sepultura...
............................................................................
Ou em
“RENÚNCIA” (CYSNES)
Lançado nos caminhos desta vida,
A minha rota, por deserto e ermo,
Sem amável pousada nem guarida,
Vou completando sem saber o
termo...
.....................................................................
Assim, conhecemos parte da vida
do nosso poeta maior!
O Dr. Silvino Olavo, no
cumprimento da sua (in)feliz e dramática trajetória cármica, nos deixou um
legado ainda por muitos de nós inimaginável ou desconhecido: a visão de acerto
dos seus compromissos com a providência, os quais por ele fora solicitado para
serem cumpridos, de plena consciência, em longínquas datas, de outras
esferas..., levando o seu espírito consigo de volta a lucidez, a serenidade, a
paz e o sentimento do dever cumprido.
P.
S. de Dória
Fontes bibliográficas:
- COSTA, Hasenclever Ferreira. Pseud. Rau
Ferreira – SILVINO OLAVO – Epgraf. Campina Grande – PB 2010. Capa de Evaldo
Brasil.
- BADIVA – Poesias Inéditas (de) Silvino
Olavo/Marinaldo Francisco de Oliveira – (Org) Secretaria Municipal de Educação
e Cultura – Esperança-PB 1997.
- DE DEUS, João – A VIDA DRAMÁTICA DE SILVINO
OLAVO – Impresso por UNIGRAF. João Pessoa-PB 1990.
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