No ano de 1955, a cidade de Esperança-PB, muito jovem ainda, com apenas
trinta anos de emancipação política e com uma população, portanto, bem pequena,
já se destacava pela cultura da batatinha e como exportadora desse tubérculo,
até para fora do Estado.
Diante de outros municípios fronteiriços vivia uma boa fase econômica, pois
deslanchava naquele ano um promissor e crescente comércio do sisal (a agave),
que a partir do início da década de 60 já tinha à frente como comprador dos
produtores daquela fibra, (NOGUEIRA & CIA), empresa pertencente ao ilustre
esperancense e empresário, o senhor Antônio Nogueira dos Santos.
Instalara-se também, antes daquele ano, uma próspera fábrica de redes que
agregava um vasto número de teares artesanais, empreendimento este pertencente
a um dos pioneiros e conhecidíssimo homem de visão, o senhor Pedro Calixto do
Nascimento, empregando um número considerável de famílias da cidade.
Havia uma febre no que se refere à indústria de calçados. Foi o tempo dos
"Sapateiros de Esperança", época da fabricação desses manufaturados,
(sapatos masculinos e femininos, sandálias, chinelos, alpercatas e os populares
"trazeiros").
Os sapatos e os "trazeiros", que tinham os solados feitos das
borrachas laterais dos pneus usados de caminhões, e pregados com pregos, eram
os mais comercializados.
Existia uma casa comercial na Rua do Sertão, esquina com a rua que desce para o
atual "Mercado Público", pertencente ao comerciante, o senhor Chico
Bezerra, pai de Zazá, exclusiva para venda de todos os produtos para fabricação
daqueles manufaturados.
Mesmo assim, alguns fabricantes preferiam a busca de melhores preços em lojas
de Campina Grande.
Destacavam-se as fábricas ou sapatarias de Michelo, a de Joaquim Galdino, a de
Chico Pedão, a de João Augusto e a de Manoel de Gonçalo, além de outras de
menores portes como a de Lochico, a de João Minervino, a de Arara e outras
mais.
Combinavam-se dois tipos de profissionais sapateiros: os
"apalazadores" que cortavam, chanfravam , colavam, orlavam e
costuravam as peças de couro ou verniz, e os "soladores" que recebiam
essas peças, armando-as em fôrmas de madeira formato “pé” e depois, colocando
nelas os solados. Ambos, com os seus respectivos ajudantes.
Dos profissionais sapateiros mais conhecidos, dentre outros, é merecido que
citemos aqui alguns ex-jogadores do América como: João Augusto (dono de
oficina), Mafia, Zé Pereira, Moleque, Humberto de Michelo e Babiu. Haviam
outros, não jogadores, considerados tradicionais como: Brazo, Futrica, Zé
Esquimal, Menininho de Dú, Zé Pneu, Lápis, Lita, Zeca de Biliu, Antônio
de Peconha, Chiquinho Gonçalo, Aprígio, Bode Azul e tantos outros.
É interessante ressaltar que a jornada de trabalho era livre e por produção de
pares de calçados, começando na terça-feira e terminando no sábado ao meio dia.
A segunda-feira era o dia de folga desses profissionais que saiam em turmas
dispersas pela periferia da cidade, de bodega em bodega, pela manhã, até a hora
do almoço a falar, entre eles, da vida alheia, a contar causos, piadas e a
tomar cachaça. Era o dia de "São Sapateiro", diziam eles.
Quem vos escreve este modesto texto também foi um aprendiz de sapateiro quando
ainda adolescente na Oficina do senhor "Manoel de Gonçalo", cujo
prédio ficava nas imediações da Praça Don Adauto, precisamente, bem ali
dobrando à esquina da antiga bodega que naqueles idos pertencia ao senhor
"Zé de Naninha."
Estudando no "Irineu Jóffily" no turno da manhã, à tarde me ocupava
com essa tarefa, o que me rendia alguns trocados garantindo a entrada das
matinês dos domingos no cinema de seu Titico.
Em memória do senhor Manoel de Gonçalo, quero aqui deixar uma "particular
homenagem", de quem teço também, alguns comentários devido ele ter
delineado, de certa forma, trajetos da caminhada durante parte da minha
infância e adolescência contribuindo, destarte, com valores positivos não
somente na boa conduta de outros contemporâneos mas, também, na minha
disciplina e formação moral.
Por ter sido um ex-pracinha do Exército Brasileiro que esteve na iminência de
embarcar para a Itália à época do final da segunda guerra mundial, num ato
nobre de conduta militar organizou uma espécie de "Instrução de Guerra” a
exemplo dos "Quartéis".
Ajuntava jovens voluntários da cidade (até alguns seus operários sapateiros
tornavam-se alunos), interessados em praticar essa modalidade de "Educação
Física", fazendo-se ele próprio como instrutor.
Este que vos relata, ainda adolescente, fazia parte dessa "equipe" de
alunos. O "point" era a Praça Don Adauto onde nos reuníamos, nos
aquecíamos para depois fazermos uma corrida de 5 a 6 km pelas principais ruas
da cidade. Essa "instrução" acontecia 3 vezes por semana, começando
às 4h da manhã e terminando às 6h com um banho num barreiro de um sítio de
propriedade do senhor Chico Roberto que ficava na saída para Remígio, extremado
com o sítio do senhor Dogival Costa. Bons tempos aqueles!
Manoel de Gonçalo vinha de um casamento que não dera certo, mas tinha como
segunda esposa e companheira, dona Zefinha, uma simpática, honrada e distinta
senhora proveniente lá das bandas da cidade de Areia.
Não tinham filhos, por isto adotaram uma criança a quem lhe dedicaram muito
amor e carinho e a quem lhe deram o nome de Gutemberg. Era o pequeno
"Gut".
Manoel de Gonçalo gostava muito de caçar e tinha como companhia de caça uma
cadela perdigueira muito bonita que se chamava "Diana". Fazia as suas
caçadas em equipe de dois ou três companheiros que permaneciam dias em campo,
muitas vezes, fora do município.
Foi um tempo que ficou na memória de vários outros contemporâneos, não
apenas na minha, acredito!
Tempos depois, ausentei-me em definitivo da cidade e não mais tive notícias
desse honrado senhor, nem de sua família. Anos mais tarde, soube do seu
falecimento!
Onde quer que ele esteja, que esteja também, colhendo os bons frutos pelo seu
bom caráter, pela sua honradez e generosidade!
Enfim, somente dispersando fragmentos de histórias assim como estas é que
voltamos no tempo e nos reencontramos com o nosso passado.
P.
S. de Dória, Junho de 85.
VC realmente demonstra o quão eh importante na nossa história
ResponderExcluir