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A balaustrada era
grande, frenteava umas vinte casas pequenas, media mais ou menos uns cem metros
de comprimento e uns dois de largura e por ela podia‐se
ver toda a Rua Solon de Lucena, que era larga e ainda calçada
com enormes paralelepípedos.
Da parte de cima, do
ponto mais alto, também podia ver‐se as casas mais distantes, que ficavam
no final da rua, na frente da pracinha com a estátua de São Francisco, como a
de Maria de Beleza. Era uma casinha pequena, dividida por móveis e possuía um
fogão a carvão. O banheiro ficava de fora, e as pessoas que ali moravam ou as
que vinham visitar tinham que caminhar pelo quintal para se servirem, assim necessitassem.
Maria de Beleza morava
com Beleza, sua irmã, na casinha da Rua Solon de Lucena, onde todas as tardes
dois banquinhos de madeira pintados de azul claro eram postos na sombra da pracinha
para que Maria e Beleza recebessem as visitas, pois era o que sempre acontecia.
Familiares mais próximos como também os distantes, amigos, conhecidos, sempre
tiveram um tempinho em seus dias para irem ver Maria e Beleza.
Primos de seus primos,
sobrinhos de seus tios, filhos de seus amigos iam sempre que podiam conversar
com as duas velhinhas, pois assim já o eram naquele tempo. As visitas em sua
maioria iam para ver a situação apresentada naquele ambiente, porque realmente
ali tinha o que se ver e o que se ouvir.
Maria tinha um físico
raquítico. Um metro e cinquenta de altura e uns quarenta e cinco quilinhos
mantidos com muito sacrifício pelas circunstâncias que lhe proporcionaram a
vida.
Conservava‐se
bastante, pode‐se dizer até que exageradamente limpa,
como ela mesma falava: “gasto um sabonete 'Lux' a cada banho”, e os seus enormes
cabelos brancos estavam sempre impecavelmente penteados em forma de coque bem
em cima da cabeça. Do primeiro momento do dia até o jantar, que acontecia às
cinco horas da tarde, Maria mantinha seu rosto enrugado com bastante pó‐de‐arroz
e sua boca pintada com batom vermelho, aumentando bastante o tamanho
original. Usava diariamente umas seis ou sete saias estampadas, uma por cima da
outra, todas do mesmo comprimento, um palmo abaixo dos joelhos. E dentro de
seus sapatos brancos de salto médio os pequenos pés estavam sempre calçados com
meias “soquete” coloridas, não cobrindo o restante das pernas. Blusas com
rendas brancas e muitos babados eram seu forte.
Dessa forma, sem mais
nem menos, estava Maria de Beleza sentada na frente de sua casinha na Rua Solon
de Lucena todas as tardes brigando com as crianças que riam da sua enorme
risada, fina e alta, e se preocupando, bastante atenta, para que a chave de seu
baú, mantido com enorme cuidado embaixo da cama, não desaparecesse da pulseira
que estava sempre em seu bracinho fino, juntamente com muitas outras e também
vários anéis, tudo ganhado de amigos ilustres, no passado.
As conversas de Maria
eram atordoadas por lembranças de outrora, que fora tão diferente.
Filha de um abastado
comerciante de tecidos e de Dona Santa, Maria, muito bonita, tivera todo luxo que
uma moça de cidade pequena poderia almejar. Belos vestidos e jóias para
desfilar nas “Festas de Padroeira” da pequena Esperança, além de muito carinho
e dedicação dos seus pais.
Sempre conversando sobre
acontecimentos passados, Maria em determinado dia desvendou um segredo que
guardou durante muito tempo. E Mita, sua prima, carregou a missão de conta‐lo
para
as novas gerações: Maria quando era jovem gostava de passar as tardes na loja
de tecido de seu pai, onde apareciam caixeiros viajantes oferecendo as mais variadas
novidades em tecidos. Numa tarde, Maria, como gostava de estar, muito arrumada,
deparou‐se
com um vendedor de nome Gerônimo, que havia vindo mostrar ao dono
da loja novos tecidos. Maria embeveceu‐se com a beleza do rapaz e como a recíproca
fora verdadeira a moça pediu para que o pai ajeitasse o namoro e este assim o
fez. Então, Gerônimo passou a vir sempre em Esperança cortejar Maria,
prometendo‐lhe “mundos e fundos” para o
futuro. A moça, cada vez mais apaixonada, desligava‐se
das pessoas e coisas que faziam parte de sua vida para se dedicar com
mais afinco a Gerônimo.
E Gerônimo desviava suas
viagens para vir a Esperança ver Maria, mudando seus horários para ficar mais
tempo com Maria, trabalhava menos para viver mais momentos com ela e assim tempos
passaram... inesperadamente, sem motivo algum, “Girônimo”, como ela o chamava,
deixou de aparecer. Sumiu!!
O pai de Maria tentou se
comunicar com vários amigos em outras cidades afim de encontrar notícias do
desaparecido. Esforço em vão. E Maria, que antes saía todos os dias, perfumava‐se
todas as
horas, maquiava‐se com todo cuidado, deixouse de
lado. Trancou‐se em seu quarto por dias e dias.
Dona Santa tentava compreender o que se passava com a bela filha, mas não
conseguia, pois Maria não se comunicava nem com sua irmã Beleza, com quem tinha
tanta aproximação.
Em uma manhã, quando a
mesa estava exposta, organizada por Dona Santa para o café, Maria apareceu
muito arrumada e penteada na cozinha, com um enorme pacote embaixo do braço.
Tomou café com o pacote ao seu lado, saiu para visitar alguns familiares
levando o pacote, passou o resto do dia com o mesmo embaixo do braço. Na hora
de dormir, trancou‐o em seu guarda‐roupa
advertindo com voz alterada que ninguém mexesse ali. No outro
dia, e nos que se seguiram, o mesmo aconteceu. Para onde Maria fosse, ao seu
lado estava o pacote.
Mita, prima de confiança
de Maria, resolveu pedir para que ela mostrasse o que havia naquele pacote.
Maria depois de muito negar e de enormes gargalhadas decidiu trancar‐se
em seu quarto
para desvendar o segredo. Mita sedenta de saber o que estava por trás de tão
grande embalagem, ficou em pé diante da cama e Maria começou a desembrulhar o
primeiro pacote, pois o grande embrulho era formado por vários, um por cima do
outro, assim como suas saias, só que muito bem amarrados com barbante. E de
pacote em pacote depois de tanto desembrulhar apareceu uma caixinha e de dentro
desta, Maria de Beleza tirou uma foto três por quatro de “Girônimo” já bastante
desgastada, porque ela lhe dava banho todos os dias.
Pasma, Mita estatelou‐se
na cadeira que se encontrava ao lado da cama e esperou Maria refazer
novamente seu pacote para saírem. Diante do fato, ela teve consciência de
manter aquele segredo até o dia que Maria foi encontrada, enrolada em uma velha
rede, na casinha da Rua Solon de Lucena, morta.
________
Nota: Maria de Beleza, na realidade Maria Cavalcante, filha
de Dona Santa, que era irmã de José Jesuíno de Lima, avô de Heloísa Duarte de
Lima
Heloísa Duarte (*)
(*) Este
texto encontra-se publicado no perfil “Esperancenses pelo mundo”, e também
disponível para download com edição de Evaldo Brasil na plataforma Calaméo,
pelo link:
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