Prof. Vanderley de Brito*
O
vocábulo banabuiê
é de origem cariri, dos bultrins, que eram na verdade
os índios Aramuru e falavam o dialeto Kipeá. O nome Bultrin é uma
alcunha que lhes foi imputada pelos holandeses, que os chamava de Boldrins,
termo da língua germânica que quer dizer “corajosos”.
No
Brasil, raros foram os estudiosos que se debruçaram nas línguas nativas dos
tapuias, quase todos os estudos lingüísticos dos dialetos brasílicos até a
atualidade se resumiram apenas nas línguas derivadas do tupi e do guarani, e
isso fez com que muitos vocábulos tapuias fossem corrompidos para atender ao
léxico tupi-guarani e forçosamente traduzidos para dar uma resposta imediata à
crescente demanda de conversão destes vocábulos que, muitas vezes, tinham
importância como definidor primitivo de uma determinada localidade. Como é o
caso da cidade de Esperança, cujo vocábulo banabuiê
reflete sua origem primária.
Na
verdade, o vocábulo banabuiê não é um vocábulo, mas sim duas palavras, um
substantivo e um adjetivo. Portanto, é uma sentença de dois vocábulos: mbana-
bu-iê, pois o termo bana-bu-ie é
corruptela de “mbana-bu-ie”.
O
termo mbanã era
como
os bultrins denominavam os tanques de pedra. Desse modo,
assim como o termo “banabuiê”, o vocábulo “puxinanã” (que também pertence ao
dialeto Kipéá), seria originalmente puxi-bnanã (lajedo do tanque). Porém, no
dialeto,
a
letra “b” estando no início da palavra sua pronúncia
é naso-labial, ou seja, produz o som “mb”.
Por isso, o som do “m” é mudo e, possivelmente, o português
perpetuou a ortografia do vocábulo conforme o seu entendimento auditivo:
bana-bu-iê; puxi-nanã.
Esclarecido
o substantivo “tanque de pedra”, ou simplesmente “tanque”, vejamos agora a
tradução do bu-iê: A língua kipeá tinha sua gramatização própria e a locução “bu-ie” é um adjetivo inflexível para
definir intensidade ou tamanho grande, que acompanha todos os vocábulos que
precisam desse aplicativo gramatical. Exemplos: baleia em kipeá é setobuie, de seto=peixe + bu-ie=grande. Portanto, bu-ie
é uma regra gramatical do kipeá para definir grande, observemos outros
exemplos: kro-bu-ie = pedra grande, anran-bu-ie = homem grande, niejni-bu-ie = cobra grande, e assim
sucessivamente. A gramatização adjetiva do dialeto vem
sempre após o substantivo, dessa forma acontece também com outros adjetivos,
como pequeno, que é o substantivo acompanhado de bu-pi (Ex: kro-bu-pi = pedra pequena) e vermelho, que é bu-he
(Ex: kro-bu-he = pedra vermelha).
Portanto,
baseado nessa regra gramatical, mbana-bu-ie
seguramente é “tanque grande”. Vale salientar que este adjetivo pode
dizer respeito à largura, comprimento ou profundidade. Também é interessante
saber que não pode ser “tanques grandes”, porque se fosse plural, de acordo com
a
regra gramatical do kipeá,
seria mbana-i-bu-ie-a, e a
palavra que atravessou os séculos para chegar até nós é mbana-bu-ie. Ou seja,
“tanque grande”, no singular.
Isso
significa dizer que, se a atual cidade de Esperança se chamou no passado de
mbana-bu-ie, certamente havia um grande tanque de pedra no lugar que,
naturalmente, servia para armazenar águas meteóricas e tornava o lugar um ponto
atrativo por oferecer condições de subsistência nos períodos de verão.
Hoje,
nesta cidade, a urbanização não denuncia a existência do referido tanque que
serviu como referencial do lugar, mas Irinêo Joffily dizia
que a cidade de Esperança (antiga Banabuyê) está sobre uma grande rocha e que
chegou
a ver
o lugar quando ainda era apenas uma fazenda de criação onde
havia
numerosos tanques obstruídos. Mas convém dizer que, se estavam obstruídos
no tempo de Joffily (meados do século XIX)
não significa dizer que sempre estiveram, muito possivelmente nos idos do
século XVIII ainda deviam armazenar água, até porque uma
sesmaria de 1789 menciona existir um lugar chamado “Tanque Grande no sertão de Banaboié”.
Particularmente,
minha opinião é que este tanque grande ficava no centro da atual cidade, para
ser mais preciso, na região onde está a Rua José de Andrade, pois nesta
localidade, no ano de 1997, quando se estava construindo o prédio de depósito
da loja Decorama, os trabalhadores encontraram vários ossos fossilizados de
grandes animais extintos e os moradores antigos da cidade diziam que ali
existiu no passado uma grande lagoa. É comum encontrar resíduos fósseis de uma
megafauna que habitou todo o continente durante o pleistoceno e que se
extinguiu há aproximadamente 10.000 anos, uma fauna de preguiças-gigantes,
tatus-gigantes, camelídeos, toxodontes e paquidermes, entre outros tipos
faunísticos bizarros. Geralmente estes animais vinham até os tanques beber água
e acabavam caindo nos reservatórios, cujas paredes íngremes não mais permitiam
que saíssem e ali eles encontravam a morte e a fossilização de seus restos
mortais.
Vanderley
de Brito
*Historiador, escritor e etnólogo da
Sociedade Paraibana de Arqueologia
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